Novo Regimento Interno da RFB extingue “PAD Gestor”
Escrito pela Direção Nacional do Sindifisco
Esta semana, foi publicada a Portaria MF nº 284, que traz o novo Regimento Interno da Receita Federal. Aguardado há quase um ano, o regramento criou muitas expectativas, sobretudo pelas idas e vindas nas alterações propostas para a estrutura do órgão. Neste texto, fazemos alguns apontamentos iniciais acerca do documento, que serão complementados após uma análise mais minuciosa dos seus 366 artigos.
Em primeiro lugar, é importante pontuar que o documento aboliu o infame e vergonhoso “PAD Gestor”, instrumento inquisitorial e legado pernicioso da era Rachid, que conferia aos chefes de unidade o poder de instaurar diretamente procedimentos correcionais, julgar e aplicar penalidades aos Auditores-Fiscais e servidores lotados em suas unidades, para infrações puníveis com advertência ou suspensão de até 30 dias, sem a participação da Corregedoria. Essa figura foi introduzida na versão anterior do Regimento, em 2017, e representava umas das principais críticas dos Auditores-Fiscais. Após insistentes demonstrações do Sindifisco Nacional acerca da aberração jurídica que o “PAD Gestor” representava, a administração da RFB acolheu o pleito e finalmente esse fantasma foi afastado no novo Regimento.
Outra reivindicação histórica dos Auditores-Fiscais sempre foi a inserção expressa no Regimento da designação do cargo, afinal, não há como se conceber a instituição Receita Federal sem as competências desempenhadas por suas autoridades. Para se ter uma ideia, o Regimento Interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Portaria MF nº 36, de 24 de janeiro de 2014) utiliza o termo “Procurador da Fazenda Nacional” exatas 63 vezes ao longo do texto. Se considerarmos que todos os cargos de chefia carregam o núcleo “Procurador da Fazenda”, seja seccional, regional ou Procurador-Geral, chega-se a 173 citações, deixando clara a importância dada ao cargo efetivo máximo da instituição.
Do lado de cá, tínhamos a Receita Federal sem sequer mencionar o cargo ocupado por suas autoridades tributárias, responsáveis pelo poder decisório na instituição. Essa lacuna foi, agora, preenchida, ainda que não com a mesma robustez e consistência da PGFN: pela primeira vez em mais de cinquenta anos, após inúmeras reuniões entre Sindifisco e Administração, o Regimento Interno traz menções explícitas ao cargo de Auditor-Fiscal.
Inicialmente, a administração da Receita Federal foi refratária a utilizar o nome do cargo efetivo no Regimento com o argumento de que esse diploma normativo não se prestaria para tratar das atribuições dos cargos efetivos, já fixadas na Lei nº 10.593/2002. De fato, o Regimento Interno não é a norma para se tratar de atribuições dos cargos efetivos, não apenas por elas já estarem definidas em atos normativos superiores, mas principalmente porque a autorização dada pelo presidente da República ao ministro da Economia para elaborar os regimentos dos órgãos integrantes do Ministério se limita exclusivamente a três assuntos: o detalhamento das unidades administrativas componentes de sua estrutura regimental, das suas competências e das atribuições de seus dirigentes.
Portanto, as inserções da expressão “Auditores-Fiscais” precisam ser compreendidas dentro desse contexto, com objetivo de enfatizar o papel dos Auditores-Fiscais no órgão, sem esquecer que as atribuições privativas do cargo estão dispostas em lei. Foram oito referências (artigos 255, 256, 309, 310, 311, 331, 350, 357), que tratam da atuação dos Auditores-Fiscais no Carf e nas DRJ, nas divisões regionais e equipes de Programação, Avaliação e Controle da Atividade Fiscal, e nas equipes de fiscalização.
Outra novidade foi o avanço na desconcentração do poder decisório, na direção de uma instituição mais republicana. O cancelamento e a reativação de declarações, com a supressão na nova portaria do dispositivo que concentrava essas atividades em cargos comissionados, é o primeiro exemplo. A publicação de atos, avisos, editais e despachos nos órgãos oficiais e na imprensa privada, atribuição anteriormente conferida aos superintendentes e delegados, na redação atual foi tornada competência das unidades descentralizadas. A incumbência das superintendências e delegacias passou a ser providenciar a publicação dos atos e despachos nos órgãos oficiais, e não mais assinar tais atos, que devem ser assinados pelo Auditor-Fiscal responsável, nos casos previstos.
A terceira competência desconcentrada foi a autorização de regimes aduaneiros especiais, que anteriormente era atribuída ao próprio secretário especial da Receita. A nova redação aprimorou o texto para que ele apenas discipline tais regimes, atribuição normativa que deve permanecer concentrada nos cargos de chefia. Por último, o dispositivo que concentrava a autorização do regime aduaneiro especial de lojas francas, que no Regimento anterior também estava a cargo do secretário, foi suprimida.
Com mais essa etapa, o processo de desconcentração avança no Regimento Interno, sendo as competências concentradas em ocupantes de cargos comissionados agora residuais, mas restando ainda a importante tarefa de efetuar a desconcentração nas instruções normativas e portarias, conforme o Projeto Consolidação, que se encontra em curso e tem o prazo de 31 de agosto de 2021 para ser finalizado.
Outra ideia proposta pelo Sindifisco Nacional à Administração foi a criação de uma Divisão de Valorização e Defesa Institucional da Receita Federal, com o propósito de zelar pela proteção dos direitos e prerrogativas dos Auditores-Fiscais e da própria instituição. A origem do conceito é a Portaria nº 338, de 12 de maio de 2016, da Procuradoria-Geral Federal, que criou divisão semelhante na estrutura desse órgão.
Embora a Administração tenha concordado com a proposta, a criação de tal divisão não prosperou, em decorrência da necessidade, segundo a própria Receita, de outras alterações regulamentares a cargo do Ministério da Economia e da exiguidade do tempo para efetuar tal mudança normativa. Como solução paliativa, foi criado um novo inciso entre as competências do Gabinete do secretário, conferindo-lhe atribuição para “coordenar ações de valorização e de defesa institucional da RFB”, que, esperamos, seja o embrião da futura divisão.
Outra alteração digna de nota está no artigo 350, inciso XII, que define as situações em que servidores necessitam de autorização para participar de conferências, cursos e treinamentos, quando a participação implicar dispensa de frequência ou quando estiverem representando a instituição. Muito embora a Portaria da Mordaça tenha sido judicialmente derrubada há alguns anos, detentores de DAS ocasionalmente ainda questionavam a participação de Auditores-Fiscais em eventos fora do horário de trabalho e desvinculados da instituição. Considerando que o Regimento Interno é portaria do ministro da Economia, não cabe à Receita criar novas hipóteses que demandem autorização do secretário em tais situações.
Há ainda muito o que ser aperfeiçoado no regramento interno da Receita Federal e o Sindifisco Nacional continuará reivindicando aprimoramentos regimentais. Porém, a valorização que almejamos não será alcançada apenas com alterações em atos normativos. Precisamos de uma verdadeira mudança cultural no órgão, que coloque de forma cotidiana, em cada espaço de atuação, o Auditor-Fiscal no centro das decisões institucionais, o que é uma empreitada muito mais ambiciosa.
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